Habacuque: O Profeta que Questiona Deus
Ao longo da história do Oriente Médio, não se havia visto eventos políticos tão alarmantes quanto aqueles. No auge de seu domínio, o império Assírio impunha seu poder militar de maneira brutal sobre as nações situadas no crescente fértil, delimitado pelos vales dos rios Tigre e Eufrates a leste, e pelo vale do rio Jordão a oeste. No ano de 612 a.C., este império, até então considerado imbatível, foi derrotado pelas forças militares dos Caldeus, vindas de Babilônia, que rapidamente se estabeleceram como a nova superpotência na região considerada o berço da civilização. Percebendo-se ameaçado, o Egito, outra potência da época, enviou um exército robusto ao norte em 605 a.C., na tentativa de conter a expansão dos Caldeus.
O reino menor de Judá, dependente do Egito, assistiu com alívio as forças egípcias marchando por seu território sagrado rumo ao confronto com os temidos exércitos caldeus. Judá, assim, experimentou o temor e a angústia de ser arrastado para o conflito monumental entre essas superpotências. É uma triste recorrência histórica que nações menores frequentemente se encontrem presas no conflito entre grandes potências, como aconteceu com a Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968, e o Afeganistão em 1980, sofrendo perdas significativas de sua soberania no palco da política internacional.
A Bíblia nos mostra que Deus não faz acepção de pessoas, e não isenta Seu povo das dificuldades da vida humana. Ter fé no Senhor não significa estar livre das adversidades. Tanto crentes quanto não crentes passam por sofrimentos. Isso levanta a questão: por que Deus não intervém a favor dos Seus? Este é o dilema enfrentado pelo profeta Habacuque, que vivenciou o caos gerado pelos tumultuados eventos políticos de sua época.
O exército egípcio, liderado pelo Faraó Neco, atravessou o deserto do Sinai, passou por Judá, e seguiu em direção ao norte até Carquemis, na Síria, onde se confrontou com os babilônicos. Em uma batalha decisiva ocorrida em 605 a.C., os egípcios foram vencidos e forçados a recuar. Os babilônicos, aproveitando a vitória, rapidamente ocuparam a região de Israel e Judá, sitiando a cidade sagrada de Jerusalém no mesmo ano e levando jovens estudantes judeus como reféns para a Babilônia. Entre esses exilados estavam Daniel e seus renomados colegas Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Apesar de serem profundamente espirituais, não foram poupados pelo destino e sofreram o mesmo que os demais jovens descrentes de Judá, evidenciando um plano divino especialmente designado para eles durante o cativeiro.
Habacuque, já conhecido como “o profeta”, por ser mais velho, não enfrentou o mesmo destino. Observando a tragédia da destruição de sua pátria, este servo de Deus buscou compreender como sua fé em um Deus benevolente se alinhava com a dura realidade da invasão de sua terra prometida. Se Deus é o soberano moral do universo e também o Deus de Judá, por que permitiu que a iníqua Babilônia prosperasse às custas do sofrimento do povo escolhido?
O livro de Habacuque pode ser dividido em três partes principais:
Capítulo 1: O Protesto de Habacuque a Deus
Em um momento de profunda aflição, Habacuque, um fiel seguidor, voltou-se em oração para o Senhor, buscando respostas que não chegavam. Ele recordava com saudade os dias em que sentia a proximidade divina, mas agora se deparava com o silêncio de Deus enquanto testemunhava a ruína de sua terra natal. Deus, o supremo juiz do mundo, deveria estar atento às transgressões contra sua lei sagrada. No entanto, frente a um cenário de grave violência e perigo, o profeta notou uma aparente indiferença divina, onde suas súplicas por socorro e justiça pareciam não ser atendidas. A questão se impunha: se Deus governa todas as coisas, por que permite que a guerra persista? A injustiça, a opressão, a devastação e a violência imperavam, sem que houvesse retribuição por parte deste Deus proclamado como justo e santo. Para Habacuque, a aparente inércia das leis divinas contribuía para que fossem negligenciadas pelo povo:
Diante dessa realidade, observava-se uma distorção dos valores morais, com “o ímpio rondando o justo e a justiça sendo subvertida.” O domínio do mal enchia o profeta de um desalento profundo. A resposta de Deus, quando veio, parecia incrível a Habacuque, prometendo uma realidade ainda mais grave do que ele imaginava, capaz de abalar suas crenças.
Longe de desconsiderar a opressão dos caldeus, Deus descreveu essa nação com termos como “temível e aterradora” (1.7). Os caldeus, arrogantes, faziam suas próprias leis, sem respeitar os direitos alheios. A descrição divina da força incontestável dos caldeus quase soava como um louvor ao inimigo. Se os caldeus capturavam seus prisioneiros facilmente, desprezavam reis e zombavam de fortalezas (1.9-10), o destino de Judá e seu rei parecia selado, com a aprovação de Deus.
Incapaz de aceitar tal injustiça, Habacuque fez uma oração fervorosa, questionando a passividade de Deus:
“Não és tu eterno,
Senhor, meu Deus, meu Santo?” (1.12)
“Não seremos destruídos.” (1.12)
“Tão puro de olhos que não podes ver o mal.” (1.13)
Se Deus é imutável em sua eternidade, o Santo não permitiria a aniquilação de seu povo, nem veria os demais subjugados. Com fé, o profeta clamou:
Embora fosse um castigo severo permitido por Deus, Habacuque mantinha a esperança na salvação final do povo de Deus. Contudo, este Deus tão santo parecia não observar o mal infligido contra Judá:
A dúvida assolava o coração do profeta: por quê? Por que um Deus justo permite que seu povo sofra tanto?
“Por que tratas os homens como peixes do mar?” (1.14)
Com ousadia, Habacuque comparou o tratamento divino ao seu povo com o de simples peixes, sem líderes, enquanto o povo de Judá reconhecia o Senhor como seu governante moral. Capturados como peixes em uma rede, estavam à mercê dos caldeus.
A Babilônia, tal qual um pescador vitorioso, celebrava, atribuindo seu sucesso a deuses pagãos. Habacuque, então, desafiou o Deus Santo de Israel com suas últimas palavras:
“Continuarás a esvaziar tua rede, exterminando nações sem misericórdia?” (1.17)
Essa tensão angustiante entre a crença em um Deus amoroso e a realidade política marcada por uma injustiça gritante e violência injustificada transcende o tempo de Habacuque, sendo um dilema constante através das eras. Desde o término da Segunda Guerra Mundial, mais de dois bilhões de pessoas — quase um terço da população mundial — foram subjugadas sob o jugo do comunismo ateu, com o Afeganistão longe de ser o último a perder sua independência e liberdade religiosa. Sob regimes ateístas que suprimem toda forma de religião, milhões clamam junto a Habacuque: “Por quê?” “Os ateus continuarão a exterminar nações sem compaixão?”
Capítulo 2: Habacuque Busca Compreensão Divina
Era evidente que Habacuque conhecia bem a essência da oração. Ele se isolou em um local tranquilo, uma torre de vigia, aguardando e ouvindo atentamente. A oração envolve mais do que apenas falar; é fundamental ouvir. Como mencionado no salmo:
“Então o Senhor me instruiu:
‘Anote a visão e a escreva claramente em placas, para que se leia facilmente.'” (2.2)
Naquele tempo distante, antes do uso do papel, as inscrições eram feitas em placas de argila, algumas das quais foram encontradas por arqueólogos, datando do tempo de Habacuque. Deus ordenou que a mensagem fosse gravada em grandes placas, claras o suficiente para serem lidas até por quem passasse rapidamente. Esse método inicial de divulgação da mensagem divina ainda hoje nos inspira na era da publicidade e dos meios de comunicação de massa. Deus deseja que todos saibam de Seu amor. “Deus, após falar muitas vezes e de diversas formas” (Hebreus 1.1), na época de Habacuque, escolheu o grande cartaz em local público como meio de comunicação. Habacuque antecedeu muitos crentes simples que, pelo Brasil afora, pintam versículos bíblicos em rochas às margens das estradas. Quem sabe essa prática evolua para o uso de cartazes bíblicos estilizados em ônibus, trens, ou até mensagens iluminadas nos topos dos prédios urbanos?
Habacuque, inovador na divulgação bíblica, preparou uma grande placa de argila e nela inscreveu a mensagem revelada por Deus na torre de vigia:
“Olhe para o arrogante! Ele não encontra retidão em si mesmo; mas o justo viverá pela fé.” (2.4)
“Acalmem-se e saibam que eu sou Deus.” (Salmo 46.10)
A sabedoria espiritual ensina que conhecer Deus requer tempo, contemplação e um silêncio respeitoso como parte fundamental da oração. A voz divina alertou que a promessa poderia demorar a se cumprir, mas era necessário esperar com paciência (2.3).
Qual é a relevância dessa mensagem hoje? Primeiro, nos confirma que Deus está ciente e já avaliou a condição global, dominada pela arrogância humana, e já julgou o espírito mundial como desviado. “A alma dele não é reta.” (2.4) “Mas o justo viverá pela fé!” (2.4)
Em todo lugar encontramos injustiça, opressão e exploração. Cristãos engajados pedem ao Senhor da justiça por intervenção imediata. Muitas vezes, porém, ficam perplexos e desanimados pela aparente inação divina: o mal continua, tiranos permanecem no poder, invasões não cessam milagrosamente. E é nesse momento de dúvida e tentação de abandonar a fé num Deus benevolente que a mesma resposta dada a Habacuque ressoa poderosamente:
Mas fé em que, e em quem? Fé no Senhor da História, no Criador do universo, que eventualmente reinará sobre a Terra. Fé naquele que nos ensinou a orar por Seu reino. O apóstolo Paulo retomou essa mensagem em sua principal obra teológica, a Epístola aos Romanos, que inspirou Martinho Lutero a se tornar um defensor do Evangelho. João Wesley, capturando a essência dessa mensagem, contribuiu significativamente para a transformação de sua nação.
Aprendemos com Paulo que o mundo sofre e anseia por libertação (Romanos 8.22). Nós, redimidos, também anelamos por essa redenção final (Romanos 8.23), confiantes de que o Espírito Santo compartilha desse desejo intenso por uma transformação global (Romanos 8.26). Deus almeja que sua criação reflita a glória de Cristo (Colossenses 1.16).
Assim, o crente em Cristo encara o mundo atual com
um otimismo fundado na fé, rejeitando o fatalismo de que tudo piorará inevitavelmente. Consciente de que a restauração plena requer a presença do Príncipe da Paz, o cristão não desanima diante do mal prevalecente. O Reino de Deus já opera através dele! Vivendo pela fé em um mundo injusto, como afirmou Pedro, aguardamos “novos céus e nova terra, onde reside a justiça.” (2 Pedro 3.13). Nenhum sistema político pode garantir justiça plena, mas o renascido em Cristo, ao praticar a justiça em meio à imperfeição, prenuncia a vinda do Reino de Deus.
Habacuque refletiu sobre a arrogância de Babilônia, que distorcia a justiça e subjugava nações, comparando-a com a ilusão proporcionada pelo vinho:
“Assim como o vinho trai, o arrogante não perdurará.” (2.5)
O profeta Habacuque reconheceu a importância da paciência. “Se a visão demorar, aguarde-a”, era a mensagem divina. A contemplação profunda sobre a prevalência do mal no mundo o levou a refletir sobre cinco adágios reconhecidos daquela era. Essa sabedoria ancestral o assegurou da vitória final do bem:
1. “Ao despojarem muitas nações, serás despojado por todos.” (2.8)
2. “Ai de quem acumula riquezas ilícitas em sua casa, buscando segurança nas alturas.” (2.9)
3. “Ai de quem constrói cidades com o sangue derramado.” (2.12)
Durante suas campanhas expansionistas, a Babilônia coletou vastos espólios de guerra, incluindo reféns, artefatos, dinheiro e mais, tudo levado para casa. A regra da retribuição determina que o opressor seja oprimido. Esta é a lei do “talião”, uma justiça de reciprocidade. Habacuque antecipou o destino dos caldeus cruéis: assim como um indivíduo, as nações também colhem o que semeiam. “Não se engane, Deus não se deixa escarnecer: pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6.7). Habacuque estava ciente de que, mais cedo ou mais tarde, os opressores enfrentariam a mesma sina de suas vítimas, um fato histórico confirmado pela queda do império babilônico diante dos medo-persas sob Dario.
O segundo “ai” critica o ganho imoral de propriedades. Após conquistas, a Babilônia saqueava as nações derrotadas, inclusive levando tesouros sagrados do templo de Jerusalém. Babilônia, famosa pelos seus jardins suspensos, uma das sete maravilhas do mundo antigo, pode ter sido o que Habacuque mencionava ao falar dos bens imoralmente adquiridos, evidenciados pela acusação das próprias pedras e madeiras estrangeiras que compunham sua estrutura.
As guerras de conquista nunca cessaram na história humana, com Nabucodonosor servindo de exemplo para uma longa lista de conquistadores notórios. Ainda hoje, guerras de invasão persistem, sugerindo que Deus escreve a história lentamente. Mas uma visão mais ampla revela que Deus, de fato, julga nações construídas sobre a violência. Todos os impérios declinam, exceto o eterno Reino de Deus, ansiosamente aguardado por Habacuque, onde a justiça e a paz prevalecerão, “e a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.” (2.14)
4. “Ai de quem embriaga seu próximo.” (2.15)
Deus reserva sua glória, recusando-a aos governantes terrenos efêmeros, até que Cristo seja reconhecido como Senhor de tudo. As celebrações dos caldeus terminavam em embriaguez e desonra, mas Habacuque sabia que um destino de vergonha os esperava, simbolizado pela queda de Babilônia devido a suas transgressões, incluindo crimes contra a natureza e a ecologia.
5. “Ai de quem venera ídolos inertes.” (2.19)
O último “ai” foca na futilidade da idolatria, adorando objetos sem vida. Isto vai contra o segundo mandamento, que proíbe adorar imagens esculpidas. Ainda assim, muitos na atualidade praticam rituais semelhantes aos pagãos. Nabucodonosor, que exigiu adoração a uma estátua de ouro, acabou reconhecendo a supremacia do Deus de Israel após um milagre.
Finalmente, todas as falsas religiões e a idolatria serão superadas, revelando que o SENHOR é o único Deus verdadeiro. A reflexão de Habacuque sobre a moralidade universal o convenceu de que o mal nunca triunfará sobre o bem. O reinado do Senhor se estabelecerá,
e aqueles que Nele confiam, vivendo pela fé, testemunharão o estabelecimento da justiça divina na Terra, cumprindo o anseio da oração do Pai Nosso: “Livra-nos do mal, pois teu é o reino, o poder e a glória, para sempre. Amém.”
Capítulo 3: O Canto de Vitória da Fé de Habacuque
Habacuque alcançou uma harmonia profunda entre a sua fé e a razão, dissolvendo qualquer tensão entre os dois. Esta realização trouxe-lhe uma sensação de liberdade espiritual profunda, ultrapassando os limites do entendimento humano. Inspirado por essa liberdade, ele criou um poema excepcional, um hino de adoração que se destaca entre os textos sagrados hebraicos.
Firmado na crença de que Deus mantém sua justiça em todas as circunstâncias, Habacuque fez um apelo ao Deus dos seus antepassados, pedindo que revitalizasse Sua presença e ação entre Seu povo. Ele lembrou as intervenções divinas nas terras de Temã e Parã, símbolos das ações de Deus que guiaram Israel desde o deserto até a terra prometida.
No monte Sinai, a glória divina se manifestou de forma tremenda, e Habacuque acredita na constância de Deus, que, se revelado da mesma forma hoje, afastaria todo medo de Israel. A história de Deus castigando o Egito com pragas e salvando Israel dos seus opressores inflama a esperança de Habacuque de que tais maravilhas possam ser revisitadas nos tempos atuais, especialmente contra os caldeus.
Ele também recorda a vitória sobre Midiã e o milagre do Mar Vermelho, vendo a história de Israel como um relato contínuo da salvação divina. Este relato reforça sua confiança de que Deus protegerá e sustentará Seu povo escolhido, mesmo frente aos desafios aparentemente intransponíveis.
Ao finalizar seu hino, Habacuque declara sua fé inabalável na soberania divina, aceitando qualquer situação como parte do plano perfeito de Deus. Mesmo diante da possibilidade de perder suas colheitas e gado, sua alegria e confiança em Deus permanecem firmes. Tal como Jó, Habacuque se mantém fiel, independentemente das perdas materiais, rejeitando os valores materialistas da sociedade e encontrando verdadeira riqueza na fé em Deus.
Habacuque encerra sua ode com uma poderosa afirmação de confiança, proclamando que Deus é sua força e sustentação, permitindo-lhe superar qualquer obstáculo. Sua fé, enraizada na certeza da presença e vitória de Deus, oferece uma perspectiva renovada que contrasta com o desânimo diante das adversidades mundiais. A convicção de que Cristo reinará eternamente fundamenta uma vida pautada pelos princípios do reino de Deus: justiça, paz e amor, antecipando a futura sociedade prometida pelo Espírito Santo.