O personagem histórico Jó é desconhecido. Pouco se sabe a respeito do tempo em que viveu, quem escreveu o livro que carrega seu nome e a data em que foi escrito. Alguns afirmam que o livro teve a autoria de Moisés e que Jó viveu antes de Abraão. Se isso for verdade, Jó viveu entre os séculos 25 a 20 antes de Cristo e nos oferece um bom pano de fundo para conhecermos alguns aspectos do modo de vida do período dos patriarcas da fé. De todo modo, não podemos bater o martelo quanto ao período da escrita, nem quem escreveu o livro.
Entretanto, o que não deixa de saltar aos olhos é o conteúdo principal do livro. Jó trata do problema do mal e do sofrimento do justo. A expressão técnica utilizada é teodiceia. Em termos simples, a teodiceia procura responder a dura questão do sofrimento do justo e sua relação com a bondade de Deus. Se Deus é bom e soberano, por que o mal existe e tantas vezes alcança o justo e o piedoso?
Além do livro de Jó abordar a dura experiência do sofrimento de um homem justo, oferece-nos valiosos ensinos a respeito do zelo e da justiça nos negócios, da constância em santificar os filhos, da permanência no casamento ao atravessar momentos difíceis e da perseverança na fé quando provado.
O livro se destaca por sua estrutura literária, que combina prosa e poesia, iniciando e concluindo com seções narrativas em prosa que enquadram diálogos poéticos extensos entre Jó, seus amigos e Deus. O dilema central do livro gira em torno da questão do porquê os justos sofrem e como entender a justiça de Deus diante da aparente arbitrariedade do sofrimento humano.
Pano de Fundo Histórico e Teológico
O livro de Jó, uma das obras-primas da literatura mundial, ocupa uma posição única na Bíblia Hebraica devido à sua abordagem profunda e complexa de questões como sofrimento, justiça divina e integridade humana. Sua composição exata permanece um tema de debate entre estudiosos, mas é comumente situado entre o final do segundo milênio e o início do primeiro milênio a.C. Este período corresponde a uma época de grandes transformações culturais e políticas no Antigo Oriente Próximo, marcado pelo declínio de impérios como o egípcio e o hitita, e pela ascensão de novas potências, incluindo os assírios e os babilônios.
A ambientação de Jó não é facilmente localizável em um contexto histórico específico, tendo sido propositalmente situada em uma terra distante e atemporal de Uz. Esse distanciamento geográfico e temporal serve para universalizar a mensagem do livro, tornando-a aplicável a qualquer época ou cultura. No entanto, a complexidade teológica, filosófica e literária do texto reflete um período em que as tradições religiosas e filosóficas estavam em intenso diálogo e desenvolvimento, possivelmente influenciado pelos movimentos culturais e intelectuais que floresciam no Antigo Oriente Próximo.
Jó distingue-se por sua estrutura literária única, combinando prosa e poesia para explorar as questões centrais do sofrimento humano e da justiça divina. O livro abre e fecha com seções em prosa que narram a história de Jó, um homem justo que enfrenta sofrimentos terríveis, perdendo sua família, saúde e riqueza. Entre essas seções narrativas, encontram-se extensos diálogos poéticos entre Jó e seus amigos, bem como o desafiador discurso de Deus, que ampliam a discussão teológica e filosófica.
O livro de Jó aborda temas universais que continuam a desafiar e inspirar leitores até hoje. A questão do sofrimento do inocente e a aparente ausência de justiça divina são exploradas com uma honestidade crua, sem oferecer respostas simplistas. Ao invés disso, o livro apresenta um retrato complexo da relação entre a humanidade e o divino, enfatizando a limitação do conhecimento humano diante da vastidão e do mistério da criação de Deus. Jó desafia a noção simplista de retribuição — a ideia de que o bem é sempre recompensado e o mal, punido — apresentando uma visão mais matizada da realidade humana e da soberania divina.
A influência do livro de Jó estende-se além das fronteiras religiosas, impactando a literatura, a arte e a filosofia ao longo dos séculos. Sua rica simbologia e profunda indagação sobre o sofrimento, a fé e a moralidade têm inspirado artistas, escritores e pensadores a explorar a condição humana em suas próprias obras. No contexto teológico, Jó oferece um contraponto vital às interpretações simplistas da teodiceia e da relação humana com o divino, convidando os fiéis a uma reflexão mais profunda sobre a fé em meio às adversidades.
O livro de Jó, portanto, permanece uma fonte de sabedoria e consolo, um convite à reflexão sobre as grandes questões da vida. Ele desafia os leitores a confrontar as complexidades do sofrimento humano, a integridade diante da adversidade e a natureza da justiça divina, oferecendo um testemunho duradouro da busca humana por significado e redenção diante das insondáveis profundezas da experiência da vida.
Estrutura e Análise Literária
Introdução Narrativa (Capítulos 1-2)
Apresenta Jó como um homem íntegro e temente a Deus. Sua vida é devastada por desastres que o deixam empobrecido, enlutado e gravemente doente, iniciando o drama central da história.
Diálogos Poéticos (Capítulos 3-37)
Jó lamenta sua situação e dialoga com três amigos — Elifaz, Bildade e Zofar — que sugerem que seu sofrimento é punição por pecados ocultos. Jó rejeita essa explicação, mantendo sua integridade e buscando entender a justiça de Deus.
Discurso de Eliú (Capítulos 32-37)
Um personagem mais jovem, Eliú, critica tanto os amigos de Jó quanto o próprio Jó, introduzindo uma perspectiva diferente sobre o sofrimento e a soberania divina.
Discurso Divino(Capítulos 38-41)
Deus responde a Jó, não com explicações, mas com uma série de perguntas que destacam a ordem criada e a soberania de Deus sobre o cosmos, desafiando a capacidade de Jó de compreender plenamente os caminhos divinos.
Conclusão Narrativa (Capítulo 42)
Jó reconhece a sabedoria e a soberania de Deus, é restaurado em sua saúde, riqueza e relações familiares, recebendo bênçãos ainda maiores do que antes.
Temas Principais
O Problema do Sofrimento
Jó desafia a noção simplista de retribuição direta, onde o bem é sempre recompensado e o mal punido, explorando a complexidade da experiência humana e a realidade do sofrimento inocente.
A Soberania de Deus
O livro apresenta uma visão majestosa da soberania e da liberdade de Deus, que governa o mundo de maneiras que transcendem a compreensão humana.
A Natureza da Justiça Divina
Jó luta para reconciliar sua compreensão da justiça de Deus com sua experiência de sofrimento injusto, expandindo a discussão sobre como a justiça divina opera em um mundo imperfeito.
Integridade e Fé
A história de Jó enfatiza a importância de manter a fé e a integridade diante das adversidades, mesmo quando as respostas às questões mais profundas da vida permanecem inalcançáveis.
Implicações Teológicas e Cristológicas
O livro de Jó, com sua rica tapeçaria de temas teológicos, convida os leitores a uma reflexão profunda sobre a natureza de Deus e a realidade do sofrimento humano. Embora não ofereça respostas simples, encoraja uma fé robusta que confia em Deus mesmo em meio às maiores provações. Na tradição cristã, a figura de Jó prefigura Cristo, que também sofreu inocentemente e, através de seu sofrimento, trouxe redenção. Assim, Jó aponta para o mistério da cruz, onde as questões de sofrimento, justiça e redenção encontram sua expressão mais profunda e seu cumprimento final.
Detalhamento da Jornada de Jó
FARTURA, INTEGRIDADE E UMA BOA VIDA FAMILIAR (JÓ 1:1-5)
Os primeiros cinco versos de Jó pintam um retrato bonito de se ver. Lista um quadro geral da vida piedosa, profissional e familiar de Jó.
A primeira apresentação é que Jó era íntegro e correto. O livro começa com essa expressão redundante, pois integridade e viver corretamente são sinônimas, revelando que Jó procurava andar de modo adequado em tudo que fazia.
A vida íntegra e correta de Jó se tornará clara ao longo do primeiro capítulo. Jó era um profissional honesto e responsável, um pai dedicado, um marido amoroso, um amigo presente e um sábio respeitado em sua comunidade local e redondezas.
A razão para Jó viver de modo correto e íntegro é apresentada pelo autor do livro. Ele afirma que Jó temia a Deus. O temor a Deus é o que faz com que homens lutem para viver suas vidas em retidão. Aqui é importante um parêntese. Crer em Deus e temer a Deus são categorias distintas. Acreditar que Deus existe é um ato da mente, sem o envolvimento necessário da obediência. Já temer a Deus envolve viver em respeito às convicções da mente. Por temer a Deus, Jó vivia corretamente e se afastava do mal. Pessoas que não temem a Deus, não se condoem com a possibilidade de pecarem contra ele e de machucarem seus amigos e familiares. Homens tementes a Deus perseveram na luta contra o pecado, mantém-se vigilantes contra os assédios de Satanás, nosso grande adversário, e fogem da aparência do mal.
A vida profissional de Jó era próspera. Ele era o homem mais rico de sua região, contando com muitos animais e funcionários. Porém, a maior prosperidade de Jó não se encontrava nos bens materiais, mas em sua família. O texto realça que Jó foi abençoado com um casa- mento estável e com dez filhos, sendo sete homens e três mulheres.
O temor a Deus levou Jó a viver piamente na relação familiar. O texto demonstrou isso de duas maneiras. A primeira maneira foi tornar conhecida a união dos filhos. Os dez irmãos se reuniam frequentemente nas casas uns dos outros. Possivelmente, a união entre os irmãos era fruto do lar harmonioso em que cresceram, com a presença ensinadora e exemplar dos pais. O segundo modo como a piedade de Jó foi demonstrada, é evidenciada pelos sacrifícios que ele fazia em prol dos filhos e com os filhos. O texto diz que, depois das celebrações dos filhos, Jó os chamava e oferecia sacrifícios a Deus, caso seus filhos tivessem cometido excessos e pecado contra o Senhor. O equivalente hoje seria um pai chamar os filhos depois de um tempo de festividade e gozo de férias, procurando saber quanto consumiram de comida, bebida e que tipo de conversa tiveram. Depois, conduzir os filhos numa oração de confissão de pecados e gratidão a Deus por sua graça e bondade.
A INTEGRIDADE E O DESEJO DE VIVER RETAMENTE CHAMAM A ATENÇÃO (JÓ 1:6-19; 2:1-10)
Depois de nos apresentar a integridade de Jó, sua prosperidade material e familiar, o autor nos leva a um ambiente que ainda é envolto em mistério, que é o reino celestial. Revela-nos uma conversa entre Deus e Satanás. O diálogo se iniciou com Deus chamando a atenção de Satanás para a vida piedosa e íntegra de Jó, o que levou Satanás a fazer o que é típico de sua natureza, contender e questionar. Satanás colocou em xeque a integridade e a fidelidade de Jó, afirmando que seu temor a Deus só existia por conta das bênçãos familiares e materiais recebidas. O argumento de Satanás foi mordaz. Afirmou que Jó servia a Deus somente por interesse..
A partir desse momento, Deus constituiu Jó como seu representante na Terra, com o objetivo de revelar que, quem teme a Deus, o faz por amor por quem Deus é, e não pelas bênçãos que ele concede. Desse momento em diante, começou a jornada de sofrimentos de Jó. Num só dia, Jó perdeu os bens, os filhos, a saúde e enfrentou uma severa crise conjugal. Se não bastasse, poucos dias depois, teve de lidar com as acusações infundadas e sem compaixão daqueles que se diziam amigos de confiança.
Caro leitor, gostaria de chamar sua atenção para dois detalhes que normalmente passam despercebidos quando lemos os dois primeiros capítulos de Jó. Tendemos a ficar consternados pela narrativa das perdas e do sofrimento que Jó precisou enfrentar e não damos a de- vida atenção a dois detalhes, que julgo serem muito importantes. O primeiro deles é que Deus vê a vida dos seus, observa como vivem e valoriza a fidelidade dos que o amam e o temem. Não servimos a um Deus alheio e distante, que não se importa com nossas vidas. Toda piedade, amor e demonstração de afeto por Deus são recebidos com alegria no trono da graça. O segundo detalhe é que Satanás é limitado, podendo ir somente até onde Deus permite. O texto deixa claro que Deus não permitiu a Satanás ir ao ponto de tirar a vida de Jó. Satanás não possui liberdade para prejudicar os filhos de Deus à parte da permissão do soberano do universo. Martinho Lutero afirmou que o diabo é o diabo de Deus. Satanás não possui os atributos da soberania, não está em todos os lugares ao mesmo tempo e também não conhece exaustivamente todas as coisas. Somente Deus é soberano, onipotente e onisciente. Deus, em sua providência misteriosa, faz uso de algo que não compreendemos, utilizando Satanás em seus planos maravilhosos, a fim de gerar um bem impressionante em nós e por nós, conforme veremos no último capítulo do livro de Jó.
NEM SEMPRE COMPREENDEMOS O SOFRIMENTO (Jó 3-37)
Os capítulos 3 a 37, que compreendem a parte central do livro de Jó, são marcados por muita dor, pela argumentação a respeito do sofrimento e do mal no mundo e pelos questionamentos por parte de Jó e de seus amigos.
No capítulo 3, Jó expõe toda a angústia, as dores físicas e emocionais sentidas, amaldiçoa o dia do seu nascimento, revela o desejo de ter morrido ao nascer, demonstra sua vontade de que os seios de sua mãe tivessem secado e questiona o fato de haver vida e não morte para os miseráveis e sofridos desse mundo.
Nos capítulos 4 a 31 há a apresentação de três ciclos de conversas entre Jó e seus três amigos e os capítulos 32 a 37 são marcados pela presença de um jovem, chamado Eliú, com seu discurso questionando todos os argumentos dos amigos de Jó e do próprio Jó. Ao final, os argumentos de Eliú não trazem nada de novo a respeito da situação vivida por Jó e do sofrimento do justo. A divisão central do livro é a seguinte:
CICLOS DE DISCURSOS |
||
PRIMEIRO CICLO |
SEGUNDO CICLO |
TERCEIRO CICLO |
Elifaz (4-5) |
Elifaz (15) |
Elifaz (22) |
Jó (6-7) |
Jó (16-17) |
Jó (23-24) |
Bildade (8) |
Bildade (18) |
Bildade (25) |
Jó (9-10) |
Jó (19) |
Jó (26:1-27:12) |
Zofar (11 |
Zofar (20) |
Zofar (27:13-23) |
Jó (12-14) |
Jó (21) |
Jó (28-31) |
Esses capítulos centrais do livro de Jó são dolorosos. Ele se vê sozinho, abandonado e julgado injustamente pelos amigos que tanto estimava. Elifaz, Bildade e Zofar avaliavam a vida pelas lentes da teologia retributiva. Acreditavam que o mal que nos sobrevém é resultado direto de algum pecado que cometemos. Jó, contudo, expõe o engano desse modo de pensar, demonstrando que a soberania de Deus e os mistérios de sua providência extrapolam nossas categorias de pensamento. Jó afirma que muitas vezes Deus prova o justo por meio das aflições e isso é um grande mistério. Ele defendeu corretamente que o sofrimento do justo nem sempre possui relação com pecados cometidos. Jó estava convencido de que não havia dolo em sua vida que tenha ocasionado tamanho sofrimento.
Na verdade, esse foi o problema de Jó. Ele defendeu tanto sua justiça, que caiu no extremo da auto justificação. Jó se tornou petulante, a ponto de convocar Deus para uma reunião, para que Deus lhe revelasse suas faltas, pois Jó se considerava demasiadamente justo (Jó 27.1-6, cap. 30).
Embora tanto Jó quanto seus amigos tenham proferido inúmeros discursos para tentar explicar o sofrimento e perscrutar as motivações da soberania de Deus quanto a dor do justo, tudo foi em vão. Durante todas as falas dos amigos e do desejo de Jó para que Deus lhe explicasse o motivo de sua dor, Deus permaneceu em silêncio.
O silêncio de Deus foi pedagógico.
Em primeiro lugar, o silêncio de Deus diante das queixas de Jó e da equivocada visão teológica dos amigos, revelou que a mente de Deus é infinitamente superior à nossa e que é impossível, por tantas vezes, compreendermos os desígnios divinos para nossa vida.
Em segundo lugar, o silêncio de Deus revelou que ele utiliza as provações para que tenhamos convicção das nossas faltas, da nossa presunção e da dureza do nosso coração. Na medida que a provação de Jó se estendia, ele migrou de uma abordagem auto piedosa para uma queixa pautada em sua justiça própria. Jó contendeu com Deus, afirmando que era irrepreensível, sem mancha no caráter e que não merecia passar por todo aquele infortúnio.
Em terceiro lugar, o silêncio de Deus atua para nos humilhar. Quando Deus pôs fim ao silêncio, revelando sua soberania, seu poder e sua glória. Jó adquiriu consciência de suas faltas, de seu orgulho e de sua pequenez, abrindo caminho para a humilhação diante de Deus e sua futura exaltação.
DEUS POSSUI O TEMPO CERTO PARA CADA PROPÓSITO (JÓ 38-41)
Não é possível estimar o prazo do sofrimento de Jó. Alguns intérpretes bíblicos chegam a afirmar que pode ter durado cerca de dois anos. O que observamos é que, depois que Deus interrompeu seu silêncio, apareceu a Jó no meio de um redemoinho e fez uma série de 70 perguntas. Todas as perguntas feitas por Deus a Jó revelaram sua soberania e a absoluta superioridade da mente de Deus e de seus desígnios, contrastada com a fragilidade e a limitação dos planos e da mente humana.
Deus perguntou a Jó onde estava quando ele colocou os alicerces do mundo, se Jó sabia como as chuvas torrenciais são guardadas e se era capaz de controlar as estrelas. Além disso, Deus fez perguntas a respeito do mundo animal, perguntando se Jó havia dado forças ao cavalo e habilidade para ele saltar, ou se concedeu ao falcão a condição para voar.
Em todas as perguntas feitas nos capítulo 38 a 41, Deus realçou sua glória, seu poder e majestade. Deus estava deixando claro a Jó que todos os seus desígnios são perfeitos e que seria impossível para Jó e seus amigos, compreenderem o agir do Criador e sustentador do universo diante de questões difíceis como o sofrimento e a dor do justo.
O FIM É SEMPRE MELHOR QUE O COMEÇO (JÓ 42)
O último capítulo do livro nos apresenta seis grandes resultados que o sofrimento e as provações trouxeram para Jó, deixando claro que a pessoa que nos tornamos depois do processo, é sempre melhor que a pessoa que éramos no inicio do processo.
Em primeiro lugar, Jó compreendeu que Deus é Senhor soberano sobre toda circunstância, seja ela boa ou hostil. Jó afirmou: “bem sei que tudo podes” (Jó 42.2). Por meio dessa afirmação, Jó declarou que, em sua providência maravilhosa, Deus utiliza inclusive circunstâncias difíceis e desagradáveis, chamadas de provações, para realizar sua boa vontade em nossas vidas.
Em segundo lugar, Jó compreendeu que os caminhos de Deus são maiores do que os nossos, que os planos de Deus são melhores do que os nossos e que todos os projetos de Deus para nós, cooperarão para um bem maior. Isso é revelado por meio da expressão “nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (42.2). Jó entendia que não há duas forças de equivalência igual, disputando o reinado, como se Deus e o diabo fossem iguais em poder. Somente Deus é soberano e rei. Jó cria que Deus possui planos e desígnios para nós e todos eles se cumprirão de modo perfeito.
Em terceiro lugar, Jó admitiu que o conhecimento que possuía a respeito de Deus era superficial e limitado. Ele disse: “eu te conhecia só de ouvir” (Jó 42.5). Esta revelação conduziu Jó da rota da arrogância, da presunção e do orgulho, para o caminho da humildade, do quebrantamento e da humilhação. Essa declaração mostrou que o período de provação gerou o maior de todos os bens que alguém pode receber, que é ser tornado humilde. A provação liquidou com a altivez do espírito de Jó e com o apego à moralidade como condição para se apresentar a Deus de modo aceitável. Por meio das duras provas, ele enxergou a si mesmo, viu que era um orgulhoso, um moralista e um ritualista formal. Jó compreendeu que não conhecia a Deus verdadeiramente e que a confiança em sua moralidade não o tornaria aceitável diante de Deus. Jó foi tornado humilde. A humildade é a marca distintiva do verdadeiro discípulo de Jesus e o requisito para a entrada no reino de Deus. No sermão mais importante já pregado, Jesus disse: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mateus 5.3).
Em quarto lugar, Jó passou a conhecer a Deus de modo mais pessoal e experiencial, conforme demonstrado pela afirmação: “eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42.5). Ao ser humilhado pelas provações, a ponto de não confiar mais em si, e impactado pela revelação suprema da absoluta soberania, glória e poder de Deus, revelados por meio das 70 perguntas que recebeu, Jó passou a se relacionar com Deus de um modo completamente diferente.
Em quinto lugar, Jó admitiu suas faltas, sua precipitação no falar e sua tolice em lucubrar sobre coisas que não conhecia: “na verdade, falei do que eu não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).
Em último lugar, Jó experimentou genuíno arrependimento. Ele afirmou: “por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.6). Jó experimentou o grande benefício afirmado por Jesus: “o que se humilha será exaltado” (Lucas 14.11).
Ao tomarmos conhecimento desses benefícios que Jó experimentou, concluímos que todos os planos de Deus são bons, santos e perfeitos. O propósito de Deus é nos levar a conhecer nossa limitação, enxergar sua glória e nos mover ao verdadeiro arrependimento.
Uma restauração completa (42)
Os últimos versículos do livro registram uma reviravolta impressionante promovida pela graça de Deus, demonstrando que quando Deus intervém para nos restaurar e nos transformar, todas as áreas da vida são tocadas.
Em primeiro lugar, Deus restaurou os relacionamentos de Jó. Os amigos foram admoestados por Deus por terem falado tolices a respeito da situação vivida por seu servo. Jó, no lugar de ancorar rancor e ódio em seu coração, demonstrou amor perdoador ao oferecer sacrifícios e intercessão por Elifaz, Bildade e Zofar.
Em segundo lugar, Deus reergueu Jó da ruína financeira. Depois de ter intercedido por seus amigos, Deus concedeu a Jó o dobro de bens que possuía antes do seu infortúnio. Esse detalhe é importante, pois a amargura nos intoxica, impede-nos de sonhar e sequestra nossa energia. Uma pessoa em paz com Deus e em paz com o próximo tem os sonhos e a energia restaurados para trabalhar e empreender com o vigor necessário.
Observemos um detalhe importante. Jó não recebeu o dobro de Deus magicamente. Em sua soberania, Deus nos abençoa com oportunidades e faz uso da nossa responsabilidade e fidelidade na administração financeira. Jó foi agraciado pela compaixão de amigos e irmãos que lhe ofertaram ouro e uma quantia em dinheiro. A partir dessa oferta, Jó voltou a empreender e a prosperar.
Em terceiro lugar, Deus abençoou Jó com mais dez filhos, sendo sete homens e três mulheres. Em tudo o mais, Jó recebeu o dobro, mas no número de filhos Jó recebeu a mesma quantidade que possuía antes do sofrimento. A razão é que não perdemos os filhos. Jó tinha dez filhos com Deus no reino celestial e mais dez filhos na terra. A distinção entre os primeiros filhos que foram ceifados para os últimos se deu na beleza extravagante das três filhas. O texto diz que não havia mulheres tão belas quanto as filhas de Jó.
Em quarto lugar, Deus abençoou Jó com saúde e mais um longo tempo de vida. Jó viveu por mais cento e quarenta anos e pôde desfrutar da maior de todas as dádivas que um homem pode receber. Jó viu os filhos de seus filhos. Não somente isso, Jó viu seus filhos até a quarta geração.